Entrevista a Rui Miguel Almeida, autor de “Jami”

Escrito em 12 de julho de 2023

Entrevista a Rui Miguel Almeida, autor de “Jami”

Rui Miguel Almeida nasceu em Coimbra em 1975, viveu quase sempre em Aveiro, que sente como a sua cidade. Licenciado em Economia, é casado, tem dois filhos, dois gatos e um emprego cinzento. Além da literatura, as suas grandes paixões são a música e a fotografia. Adora futebol, praia e viajar. Em 2021, em conjunto com um amigo de infância, fundou a Visgarolho Editora. Enquanto autor publicou "O diário do meu suicídio" (Coolbooks, 2015) e “Desencanto em dó menor” (Coolbooks, 2018).

A Intelectual esteve à conversa com o escritor e ficou a saber um pouco mais sobre o seu processo de escrita, as suas inspirações, temas e personagens desenvolvidos no seu mais recente romance,“Jami”.

 

“Começo por te pedir isto: tens de acreditar que sou um banco de jardim. Sim, isso mesmo. Um vulgar banco de jardim. Podes tratar-me por Jami.” (Pág. 11)

1. Qual foi a inspiração para o conceito de ter um banco de jardim como narrador principal em "Jami"?

A ideia é muito antiga, terá já mais de 20 anos. Surgiu do nada, uma espécie de “e se?”. Nem sequer estava sentado num banco de jardim quando a tive e não consigo mesmo perceber como cheguei até ela ou ela até mim. O que sei é que a guardei muitos anos até escrever uma primeira versão, que ficou pronta lá para 2011 e era muito diferente desta que agora é editada. Apesar de ter acabado de nascer para o mundo, na minha cabeça o(a) Jami é já um(a) jovem adulto(a).

 

2. "Jami" aborda temas como a amizade, o amor, a solidão, a observação do mundo e a sua reflexão. Qual é a importância destes temas na narrativa e por que razão escolheu explorá-los?

Para ser sincero, são temas universais, sobre os quais já tudo foi escrito. E é sempre à volta deles que escrevo, mesmo sabendo nada mais haver a acrescentar. O Jami pode, na melhor das hipóteses, aspirar a ter essa originalidade, que é ser um objeto inanimado a falar ao leitor acerca dos assuntos mais centrais para nós humanos. Dito de outra forma: apesar de o narrador ser um banco de jardim, não havia hipóteses dos temas serem outros que não esses.

 

3. Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao escrever "Jami"?

Escrevi uma primeira versão, com personagens e histórias muito diferentes das que estão no livro. Percebi posteriormente que o Jami quis dizer demais, dissecar-nos demais, abordar demasiadas perspetivas sobre temas tão complexos como o amor, a amizade, a vida em sociedade, etc. Reescrevi quase toda a primeira versão. O desafio foi contar uma história de amor que na sua génese é banal, mas tem efeitos colaterais em terceiros, sejam eles humanos ou não. Todas as personagens são banais, pessoas comuns que carregam dentro de si traumas, segredos, sonhos, ilusões. Com estes ingredientes, o desafio foi contar uma história que não sendo densa conseguisse agarrar o leitor pelo lado que prefiro agarrar: as emoções.

 

“Vi o amor, milhares de vezes, assumir milhares de formas, milhares de intensidades, milhares de palavras. Aprendi a reconhecê-lo. Aprendi a não me deixar iludir.” (Pág. 31)

4. Existe uma emoção ou reflexão específica que gostaria de despertar nos leitores com “Jami”?

Existe, sim. Queria muito que cada leitor se transportasse, física ou mentalmente, para um banco de jardim e, nele, fizesse este exercício: que história tenho que valha a pena contar? O que é que realmente valeu a pena na minha vida? O Jami faz isso ao leitor: conta-lhe uma grande história de amor. E no fim convida-o a fazer o contrário.

 

5. Nos próximos projetos, podemos esperar mais histórias com narradores inusitados ou planeia explorar outros estilos e temas?

 Tenho vários livros na gaveta. Num deles a história é polifónica, ou seja, contada por várias personagens, e passa-se tanto no passado como no futuro. Mas todos os narradores são humanos. Noutro há um narrador que conta na terceira pessoa histórias de vidas que têm de começar do zero, após perderem o emprego de uma vida.

Anteriormente ao Jami, publiquei dois livros em registo diarístico. Um outro, sob pseudónimo, já num tom mais à la Bukowski, com um humor, direi, brejeiro e licencioso.

Presentemente ando a escrevinhar uma distopia, que parte de um pressuposto inusitado e que prefiro não desvendar.

Julgo que tento escrever em estilos e registos muito diferentes entre si, mas os temas são os de sempre: o amor, os traumas que carregamos, os sonhos que perseguimos, a procura de um sentido para os nossos dias.